Estreou dia 30 de
março, em circuito nacional o filme “300”, que narra uma versão da famosa batalha das
Termópilas (onde pouco mais de alguns milhares de gregos
peitaram algumas centenas de milhares de persas). Antes mesmo de “desembarcar” em terras brasileiras, o filme enfrenta algumas
polemicas: em fóruns na
internet e em comunidades do Orkut, se discute se ele seria na verdade “propaganda de Guerra” (ou ideológica, no contexto marxista) do nosso velho “Tio Sam”; ou uma simples peça de entretenimento. Este texto é a tentativa de sinalizar uma resposta satisfatória.
O Autor
Como o
trailer anuncia logo no inicio, estamos diante de uma adaptação de historia em
quadrinhos. É importante salientar que é baseada em um arco fechado (Uma
mini-série com começo, meio, fim), não em um personagem estilo “
pop”, como seria por exemplo, o Homem-Aranha. O
trailer também nos revela que o autor da mesma é Frank Miller.
Para aqueles que não conhecem ao fundo o mundo das
HQ’s, é importante salientar que Miller foi um dos maiores autores da chamada “nona arte”, sendo um dos responsáveis pelo destaque que a
mídia recebeu na década de 1980. Dentre as obras primas de Miller, está uma história estrelada pelo
Batman, cujo nome é “
Batman - o Cavaleiro das Trevas”.
Embora para a maioria dos aficionados por
HQ’s, “O Cavaleiro das Trevas” seja apenas uma das melhores histórias publicada em tal
mídia, de fato ela é muito mais. Numa obra extremamente política, Miller cria um retrato bastante autoritário para o Morcego, ao mesmo tempo que o dota de um tipo de heroísmo revolucionário que nunca foi uma característica de
Batman.
Outro fato interessante (baseada numa interpretação minha, mas fácil de se comprovar), é como
Batman “transformou” Miller. Se antes de “O Cavaleiro das Trevas” Miller possuía uma visão mais liberal (vide suas histórias no Demolidor), depois de escrever seu épico envolvendo o
Batman, centrou sua visão em um foco mais autoritário...
300: a história em quadrinhos
Em 1998, agora trabalhando para a editora
Dark Horse, Miller resolve investir em uma versão própria sobre os eventos envolvendo
Leônidas e sua Trupe de Espartanos. Tomando inúmeras liberdades criativas (300 pode ser qualquer coisa, mas é uma “qualquer coisa” bastante
autoral), Miller coloca a mão na Massa.
Ao meu ver, o
Leônidas de Miller nada mais é do que uma outra versão do
Batman apresentado em “Cavaleiro das Trevas”. E Esparta seria uma nação povoada por inúmeros “
Batman’s”. Todas as características que Miller inseriu no
Batman de sua
mini-série aparecem também aqui, seja a capacidade extraordinária de combate ou até mesmo as qualidades de liderança.
Mas aqui nos defrontamos com uma pista importante: por mais autoritária que seja a visão política de Miller, ele escreveu “300” bem antes do inicio da guerra do Iraque, do 11 de Setembro, e do choque derradeiro entre E.U.A. e as republicas Islâmicas. Já podemos eliminar a tese de que a
HQ foi escrita como “ideologia”.
300: a realização do filme
Agora os
paranóicos mais
afobados devem estar pensando: “tá, a
HQ é de 1998, mas o filme foi feito agora... será que ai não tem coisa?”. Bem vamos analisar isso também!
Embora marxistas gostem de acreditar na
mídia como ferramenta ideológica de classes dominantes, reforçadora do
status quo e
blá blá blá, é
obvio que não é bem assim. O que levou 300 a ser adaptado para o cinema foi a junção de
fatores bem triviais...
Primeiro foi o sucesso alcançado pelo filme “Madrugada dos Mortos”, de 2004. Apesar de ser uma
refilmagem (
gênero que está em moda
atualmente em Hollywood), o filme alcançou bom sucesso de critica (coisa rara em
refilmagem...), publico e
bilheteria. O
diretor também mostrou ter talento para criar cenas impressionantes, alem de não precisar de muito dinheiro para produzir um longa decente.Assim sendo, o nome
Zack Snyder (o
diretor) encheu os olhos dos produtores de Hollywood, doidos para
faturar mais
verdinhas...
O segundo
fator, foi o sucesso alcançado pelo filme “
Sin City” (2005). “
Sin City” foi uma adaptação literal de algumas histórias da serie de mesmo nome escrita por... Frank Miller!! Embora ninguém levasse muita fé no filme (que foi inovador em vários sentidos), ele alcançou relativo sucesso de
bilheteria e impressionante sucesso de critica. Isso fez com que o nome de Miller passasse a ser bastante visado em Hollywood (Miller até conseguiu um filme pra dirigir sozinho, a adaptação de “
The Spirit”)
Pronto: você tem um
diretor competente em alta, um
quadrinista (que já foi muito) competente também, e produtores safados querendo lucrar. Agora você bate tudo no
liquidificador e surge a adaptação de 300.
Mas então... não teria nada a ver a guerra do Iraque com 300? Não. Pelo menos na decisão de adaptá-lo. Mas existe um
fator interessante a se considerar... A
atual onda de adaptações de
HQ (bem como a alta que tal
mídia alcançou recentemente) tem muito a ver com o clima americano pós 11 de
setembro. Desse modo, 300 pode ser considerado um filho
indireto da guerra Ocidente
vs. Oriente (mas não um filhote
direto e programado).
A trama na versão de Miller
O filme é uma adaptação quase literal dos
Quadrinhos de Miller, com a diferença de que o filme acrescenta algumas cenas, e modifica alguns detalhes (acho que o mais perceptível pelos
trailers é uma “humanização” do personagem
Leônidas, e um aumento de relevância na trama de sua esposa,
Gorgo). Mais pra frente iremos falar a respeito da versão em
celuloide...Aqui vamos analisar a visão de Miller sobre a batalha das
Termópilas, narrada em sua
Graphic Novel.
A questão aqui não é comparar a
HQ de Miller com a história verdadeira, ou mesmo com a versão de
Herótodo sobre a mesma (também um tanto exagerada). O interessante é explicar a os conceitos da
HQ sobre as próprias visões autoritárias de Miller. Em suma, o porque dos espartanos ser o que são na
HQ.
O primeiro fato interessante, é que Miller transformou os Espartanos em “machos”. Os Espartanos, como todo bom grego, via como relação ideal o amor entre dois (ou mais :P) homens. Não obstante isso, ele transformou todos os demais gregos em “
florzinhas”, como os “
pederastas Atenienses”.
Miller também colocou os Espartanos lutando de “
sunguinha”... Parece bobo, mas isso é essencial. Na verdadeira batalha, uma das vantagens que os Espartanos possuíam sobre os persas era o uso de armaduras de Bronze. Miller sabia disso (pois pesquisou imagens de referencia), mas ainda assim fez dos espartanos os “
nudistas” da Idade Antiga. Ai vem a pergunta: Porque? Ora, muito simples, para aumentar ainda mais a
macheza deles!! Os Espartanos, guerreiros imbatíveis, confiariam tanto em suas habilidades que não precisavam nem de armadura para lutar. Foi uma maneira de aumentar ainda mais a mítica sobre a coragem e destreza espartana.
Esparta era uma nação autoritária, onde o que prevalecia era a lei do mais forte. Os espartanos
inspecionavam os
recém-nascidos para ver se eles tinham alguma deficiência, e se eles tivessem, eram mortos. Não se admitiam “elos fracos” na sociedade Espartana. Embora Miller tenha alterado a “
viadeza” dos Espartanos, ele manteve esse traço
eugenista deles. Não bastando isso, ele coloca
Ephialtes (o traidor de
Leônidas e dos Gregos) como sendo um “deformado” Espartano, que conseguiu escapar do cruel destino reservado a eles na autoritária sociedade de
Leônidas ...
A maneira como Miller retrata os Persas também é muito importante. Ele não se preocupa em
atualizar os números para o consenso
atual (de uma a três centenas de milhares), fazendo os Espartanos
peitarem nada menos que um milhão de Persas (ainda assim ele não exagerou tanto como
Herótodo, que colocou um numero três vezes maior :P)!! Miller também pinta os Persas como corruptos, alem de dar um
jeitão todo efeminado ao imperador Xerxes...
Apenas pra encerrar o tópico: é fácil perceber que todos na trama que se opõem a Esparta ou são corruptos (o Oráculo), “
viados”, covardes, fracos, ou a
misturade mais de um desses
fatores. E embora seja
obvio, vale ressaltar que a trama é fascista, autoritária, parcial, homofóbica e
eugênica. Mas é estupidez pensar que a trama não tenha também suas qualidades, e até mesmo um lado “poético”: é um
ótimo épico, uma história de coragem e sacrifício, e um legitimo “produto pra macho”, do tipo em que se fica com vontade de socar alguém e de coçar o saco depois :P.
A trama na versão do filme
O filme, embora também glorifique o estilo de vida militar, não chega ao grau de “fascismo” contido na obra original de Miller. Embora ainda seja uma história potencialmente exagerada, maniqueísta, e cheia de erros históricos (eu disse cheia? acho que “entupida” seria um termo melhor :P); no cinema a história ganhou uma relevante “humanizada”.
Um ou outro discurso parecerão uma tremenda propaganda de guerra anti-
Islã (principalmente o final), mas é bom lembrar que eles
já existiam na
HQ original, com pequenas mudanças. Mas o filme é muito menos
reacionário do que poderia ter sido, já que não chega a ser homofóbico (apenas uma referencia aos
pederastas atenienses) e nem a glorificar a crueldade interna de Esparta (como ocorre nas
HQs), passando longe do
nivel de "nazismo" que existe na
HQ.
Semelhanças dos americanos com os Espartanos
Não é porque um filme não foi concebido como propaganda de guerra que ele não possa servir como tal. Nesse aspecto, vamos analisar semelhanças entre os espartanos e os americanos.
Para isso é preciso se levar em conta:
1- o modo como os americanos vêem a si próprios; e
2 - o contexto da trama em comparação com a campanha no Iraque. Assim sendo, vamos contar os pontinhos...
1 - Tanto os Espartanos quanto os Americanos podem ser considerados os melhores guerreiros de seu tempo. E ambos também possuem uma sociedade extremamente voltadas para questões bélicas.
2 - Embora os EUA sejam uma nação muito maior que o Iraque, é um tanto
obvio que eles estão em menor numero dentro do país inimigo. Existem também inúmeras nações que “querem o couro” deles, principalmente no Oriente médio, sendo valida também a comparação entre a frase na trama: “100 nações cairão sobre vocês”. Sendo assim, no contexto da guerra, os americanos são uma minoria contra uma maioria.
3 – Tanto os E.U.A. quanto Esparta
selecionavam “vencedores” e denegriam “perdedores”. Ambas as nações legitimam a lei do mais forte, mas nos E.U.A. você é humilhado durante a sua vida (principalmente no colégio), ao invés de te matarem quando nasce :P
4 – Os Persas são antepassados dos
atuais habitantes do
Irã, bem como
indiretamente de vários outros povos da região. Se adaptarmos o fato de que pra maioria das pessoas “tudo
aqueli povo lá é igual”(
sic), os persas podem servir de metáfora para qualquer povo árabe ou praticante da religião
maometana. Só para constar, o
Irã se manifestou contra o filme, acusando-o de ofender sua memória.
5 – Embora para boa parte do mundo os “vilões invasores” são os americanos, não é assim que eles próprios se enxergam. Certos ou não, os americanos encaram sua campanha
islã adentro como mera autodefesa, justa retaliação pelo 11 de
setembro, ou defesa da “democracia”.
6 – também podemos comparar os Espartanos com os famosos Republicanos, classe política americana tão bem representada pelo nosso “amigo” Bush. Basta saber que republicanos também odeiam homossexuais, são meio fascistas, também acham que qualquer um que não concorde com eles são fracos ou corruptos, não curtem muito a democracia (citação a 300 - a
HQ - “deixe a democracia para os atenienses” -), e adoram resolver as coisas na base da porrada!
7 - embora sejam vistos como império pelo resto do mundo, não podemos esquecer que os Americanos se vêem como legítimos lutadores da liberdade.
8 – Os persas são mostrados como escravos, alienados, corruptos e fanáticos... que é o ponto de vista de muita gente sobre os povos Islâmicos (principalmente a maioria dos norte-americanos).
9 – Esparta ficava no Ocidente, e Pérsia no Oriente. Os E.U.A. ficam Ocidente, e os povos Islâmicos no oriente (é, ficou meio chocho esse item, mas ainda assim é um item :P)
10 – e por ultimo: É um filme americano, feito por americanos, e onde os Espartanos falam inglês (ta certo que os Persas também falam, mas eles falam bem menos na trama).
Bem, acho que é só isso mesmo... mas é bastante coisa não? Mas antes de respondermos a derradeira pergunta do inicio do texto, vamos correr o caminho inverso...
Semelhanças entre os espartanos e os atuais povos Islâmicos
1 – O mais próximo que temos de um império como o persa hoje em dia é os E.U.A, tanto em extensão, quanto em poder.
2 – As tropas americanas (e a nação) são compostas por diversas etnias, assim como são mostradas as tropas de Xerxes.
3 – Para os Islâmicos (e para boa parte do mundo), os americanos é que são invasores.
Podemos notar que existe também uma semelhança mínima entre espartanos e os povos do
Islã. Mas ela é definitivamente menor do que a semelhança com os americanos, o que elimina as chances de ser visto como “campanha contraria” (pró
Islã). A boa
bilheteria nas terras do “Tio Sam” também desmente isso, assim como a rejeição que ocorreu com o longa no
Irã...
Conclusão
Depois de pesarmos todos esses
fatores envolvidos, tá na hora da resposta... Não, 300 de Esparta não é uma propaganda de Guerra. Pode ter toda a cara de uma, e
fatores que a identifiquem como sendo, mas de fato não o é. Foi criada como filme, e não passa de um filme... Um filme extremamente “
milico”, mas ainda sim apenas um filme :P.
Mas ai paira outra duvida... “Mas ele serve de Propaganda de guerra?”. Quanto a isso: com certeza! O filme tem características que casam como uma luva (como mostrado acima) com tal
objetivo, a ponto de que você (falo aqui com os
nerds) vai ouvir muita conversa a respeito. Acredito inclusive, que ele deve aumentar o numero de alistamentos nas terras do “Tio Sam”. Mas não se esqueça de um detalhe: não é porque
serve muito bem como, que foi previamente
concebido para servir como. Por isso, lembre-se da lição do filosofo (cujo nome não lembro): "uma coisa é uma coisa, e outra coisa é outra coisa".
Brinde exclusivo: a trágica sina do “macho” pós-moderno – uma critica a 300
Antes que leiam, saibam logo de cara que essa não é uma critica comum. Ela não vai resumir a história, ou focar todos os pontos da trama. Ela só vai se
ater ao que realmente me interessa falar sobre o filme, e é bom que antes de lê-la você já o tenha visto ou lido a
HQ que o inspirou, porque não to nem ai em revelar
spoilers. É... era só isso :P
Como todo mundo sabe (a, tá
bão... quase ninguém sabe :P) vivemos uma época que alguns teóricos chamam de pós-modernismo. Das varias características que a definem, acho que a mais relevante é a redefinição do homem (no sentido masculino) na sociedade ocidental. Por milhares de anos, vivemos com um padrão de sociedade machista e patriarcal, até que veio o século XX e mudou (quase) tudo. As mulheres tomaram lugares onde antes elas não eram permitidas, ao mesmo tempo que a automação de muitos processos que antes exigiam “força bruta” transformou o “macho” da espécie em alguém que não pode exercer mais sua “
machesa” em toda sua "
magnitude. Para uma melhor elucidação, assista o filme “clube da luta”, que trata do assunto.
Pra mim o filme 300 seria um resgate desse mundo outrora patriarcal. A chance, minha e da maioria da geração
atual de entrar em
contato com nosso “macho interior”, já que o mundo real geralmente não nos permite isso mais. Somos uma geração de “
Shopping”, uma geração “criada por mulheres” (citação obrigatória a “clube da luta”), uma geração em que homens passam mais tempo no espelho que suas irmãs. Como vivemos nesse “mundo”, jogar um jogo de
videogame ou assistir um filme são chances de satisfazer nossos reprimidos instintos de “machos”.
Tirando a base pela
HQ de Miller, era de se esperar uma “obra prima” nesse sentido, com violência, guerra, heroísmo e sacrifício. E 300, o filme, quase chega lá. Se não fosse por duas cenas...
O problema do filme foi a relutância do filme em se assumir como legitimo exemplar de “cinema macho”. E não falo de uma versão mais literal do roteiro de Miller não! Achei até bom algumas
amenizações que ocorreram no filme: os espartanos são menos cruéis (entre eles) no filme; o fato de
Leônidas não ser tão “Hitler” quando dialoga com
Ephialtes; a diminuição da homofobia implícita nas referencias aos atenienses; e até a relação mais “humana”
Leônidas com a esposa e filho . Essas todas alterações que listei até melhoraram a história, que se fosse totalmente fiel deixaria de ser “filme de macho” pra ser filme “propaganda de guerra
neo-nazista”. Na verdade, o buraco é mais
embaixo...
A primeira cena que estraga o filme é a que mostra a
reação do capitão que perde o filho em combate. Naquele instante, ele lamenta “nunca ter dito que amava o filho” e outras coisas do tipo... Agora a pergunta básica: o que essa cena ta fazendo ali??? Porque ela é totalmente paradoxal ao resto do longa.
Esparta era uma cidade-estado que mais parecia um quartel. Não existia lá o conceito de família
atual (que é coisa de “burguês”, diga-se de passagem). Lá não havia o estimulo de nenhum sentimento a mais que o necessário para se tornar um bom soldado. E isso não é de modo algum, um problema no contexto: Esparta era assim porque precisava ser!
Como já disseram (em outras palavras, mas com mesmo sentido) Maquiavel e
Sun Tzu: “aqueles que desprezam a guerra como necessidade essencial de estado, ou que a acham uma
atividade torpe, devem largar de serem bestas e se mancarem de que as vezes ela é a única coisa capaz de garantir a paz”. Parece paradoxal, mas não é. É a verdade! Em um mundo cercado de potenciais inimigos como o que os espartanos viviam, uma das melhores atitudes a se tomar era formar um exercito forte. Melhor viver num lugar autoritário e rígido como Esparta do que não viver. Simples assim.
E o filme, que todo o tempo reforça essa teoria de “mal necessário” da dureza espartana, quase que desmorona com essa cena!! Se fosse o Leônidas “neo-nazista” (o da Graphic Novel) a presenciar tal cena, provavelmente o “chorão” seria espancado para parar de dar mal exemplo!!
A outra cena ocorre quase ao final do longa.
Durante todo o filme, se desenvolve uma trama paralela que tem como único propósito “enriquecer” a personagem Gorgo. Se a principio achei aquilo uma “xaropada”, ao fim acabei gostando muito do resultado final.
A história de amor entre Leônidas e Gorgo se tornou uma relação complexa e bela, onde alem de o amor que eles sentem um pelo outro, existe o amor por uma causa comum. É esse amor, o por uma causa, um ideal, que fazem ambos aceitarem de maneira estóica os sacrifícios que cada um teria que fazer.
Gorgo, de maneira nenhuma, “traiu” Leônidas, mas sim agiu de maneira totalmente condizente com o ideal que unia os dois. E ambos sacrificaram seus corpos pela mesma causa. Eu achei isso no filme tocante e maduro, alem do que se costuma esperar de um filme pipoca.
Mas quando tudo estava perfeito... Na cena em que Leônidas despacha o “Forrest Gump” de Esparta, e esse pergunta se havia algum recado para a rainha, Leônidas (numa interpretação excelente de Butler) responde “nenhum que precise ser dito”. Essa cena foi perfeita. O amor entre Leônidas e Gorgo não precisa de auxilio verbal obvio, ele já é visto e sentido nas telas. Mas Snyder faz questão de estragar aquilo que levou quase duas horas pra erguer
Em seus últimos momentos, agonizando, Snyder faz Leônidas desferir uma “declaração de amor” a sua Rainha. E isso, sinceramente, ficou patético e obvio!! O “nenhum que precise ser dito” foi jogado no ralo aqui!! Se antes a poesia consistia em “sentir” o amor entre Leônidas e Gorgo, Snyder estraga tudo não confiando em sua própria platéia, achando que era necessário “mastigar e por na boquinha” pro povão entender.
Não bastando isso, a cena diminui o impacto de sacrifício pelo “bem coletivo” que Leônidas fez, tornando o filme não tão “macho” assim. Sem querer, ele ganha o caráter individualista que é uma característica central do pós-modernismo. Fica como se aquele sacrifício todo não foi feito pela Grécia, mas pela Gorgo.
Apenas pra comparação, vou citar “Casablanca” (esse sim um filme “macho” de verdade). Na trama, o cínico Rick (Humprey Bogart) por fim deixa seu grande amor ir embora com outro em nome de um bem maior: a resistência contra os nazistas. Rick sempre foi um “bosta”, mas esse ultimo sacrifício o redime, transformando-o finalmente em um homem (no sentido do que geralmente a sociedade exigia deles). A cena de sua separação tem poucas palavras, e quando sua amada parte ele também não faz questão nenhuma de choramingar com ninguém. Ele aceita seu destino e pronto. O publico sabe que ele está sofrendo por dentro, mas por fora ele não demonstra. Ele também está em frangalhos, mas como todo “macho”, guarda isso para si, pois o mais importante é o sacrifício que fez pelo bem comum, e não seu sofrimento individual.
Sendo assim, Snyder, vitima de sua própria geração, perdeu a grande chance de realizar um legitimo “filme macho” moderno, esquecendo-se que não é apenas de violência e guerra que se realiza tal feito, mas principalmente pelo modo como os personagens devem encarar seus sacrifícios pessoais...
Por isso, unicamente por essas duas cenas, que sou obrigado a dar uma nota 8 pro filme, que de resto é perfeito na realização do que se propôs.
PS: pra quem está se perguntando se deve assistir o filme ou não depois de tudo isso, saiba que eu recomendo o longa. Como eu disse logo acima, é uma excelente história sobre heroísmo e sacrifício, e principalmente sobre POOORRAAADAAAAA!!! E quase chega a ser uma obra prima do cinema macho, se não fossem duas ceninhas de menininha...
PS2: Será que só eu acho Santoro um ator tremendamente canastrão?
PS3: o filme consegue ser mais historicamente impreciso que a HQ. Por isso, o encarem como ele realmente é: uma mentira bem contada (muito bem contada). Se quer precisão histórica, assista a BBC, e não filme de Hollywood.
PS4: eu adoro PS’s (e parênteses também).
ERRATA: A culpa da ultima cena "piegas" que mencionei não é de Sniyder, mas de Miller, já que a mesma se encontra na HQ original. Mesmo assim, mantenho minha posição de que ela ficou ruim, e creio que o diretor deveria ter "tato" pra perceber isso e exclui-la. é só.