Se você atentar para as mídias no período da páscoa, vai notar que apesar de uma ou outra reportagem sobre chocolate e coelhos, a maior parte delas foca o lado religioso da coisa. É missa pra cá, filme bíblico para lá, reportagem tosca acolá... porém, o que pouca gente percebe são as incongruências e tosquisses presentes nessas abordagens. Assim sendo, esse artigo visa comentar as coisas mais toscas que esse humilde escrevinhador já teve o (des)prazer de averiguar!!
O que realmente provoca meu desinteresse por freqüentar algum “culto” são dois motivos simples: 1- A maioria dos cristãos nunca sequer leram a bíblia (quem dirá entender o que tá escrito); e 2- Os cristãos em geral são hipócritas com relação a própria fé, sendo em suas atitudes bem pouco (errr...) cristãos.
Sendo assim, como vivo explicando teologia pra cristão (!!) e a maioria deles é tão (ou mais) feladaputa quanto o resto da humanidade, não sinto ímpeto nenhum em fazer parte de alguma “comunidade fraternal de amor ao próximo” (muito “amooorrrr” ¬¬).
Apesar disso, esse texto não terá um foco “ateísta”. Ao analisar os eventos abaixo, vou julga-los por fatores simples como “tosquisse”, erro histórico e erro de interpretação. Se você for um religioso não-fanático, aposto que vai concordar com a maioria das minhas argumentações (apesar do meu senso de humor meio corrosivo...:-P).
O filme ganhou fama de ser “historicamente verossímil”. Nada mais longe da verdade... o filme esta longe de ser até mesmo “biblicamente” verossímil!! Com exceção de cenários muito bem reproduzidos, um figurino competente e o fato dos personagens falarem na linguagem da época (latim, hebraico e aramaico); todo o resto do filme tem a consistência histórica-biblica de um pudim.
Seria a culpa então de Mel Gibson? Sim e não...
Vamos aos fatos: Gibson é um Católico ultra-conservador, e seu filme retrata a visão de... um católico ultra-conservador! Não é exatamente culpa dele se o publico encarou sua visão dos fatos como “precisa” (ele apenas tava sendo fiel a própria concepção de fé – que diga-se de passagem, é uma merda).
Embora o filme se diga baseado nos “evangelhos”, sua base real é outra: arte sacra. Como todo católico, Gibson não é muito amigo da leitura; ao mesmo tempo, a maioria das Igrejas católicas são ricamente ornamentadas com pinturas que retratam a “paixão” (e esse costuma ser o primeiro contato dos pequenos católicos com a historia de cristo). Essas pinturas tem sua origem na idade média, e servia ao propósito simples de servir de “infografico” para a população iletrada. Como os católicos geralmente só pegam na bíblia pra pedir milagre, a maioria nunca supera essa visão simplista da história de cristo - e Gibson não é exceção. A visão de Gibson é exatamente essa: a de um católico médio. Seu filme nada mais é do que a versão live action das pinturas que ornamentam igrejas!! Mas este esta longe de ser o problema principal de “A Paixão”...
Essa cena é ridícula em todos os sentidos possíveis. Alem de não existir leve menção a maus tratos por parte dos soldados judeus nos evangelhos (até mesmo no de João, que é claramente anti-semita, não há uma linha sequer sobre isso), tal cena é inverossímil por outros fatores: Se imagine no lugar dos soldados (se quiser, faça a relação com seu equivalente moderno: um policial). O teu chefe te acorda de madrugada pra pegar um cara qualquer e entregar pra ele. Você vai lá, cortam a orelha de um colega seu, mas o cara que tu foi prender cura ela milagrosamente. Resumindo: você esta com um puta dum sono e seu prisioneiro nem oferece resistência (pelo contrario, a proíbe). Porque diabos você perderia tempo aporrinhando ele?? Não seria muito mais vantajoso apenas entregar ele logo pro teu chefe e ir dormir??! E porque você jogaria o cara duma ponte? O prisioneiro ainda ia ser julgado e poderia morrer com a queda (não foram uns cola brincos do Capitão Nascimento, e sim uma queda de vários metros). Você arriscaria ser castigado (ou morto) pelo patrão apenas em nome da “diversão brucutu”??
O intuito dessa cena é ser grotesca mesmo. Quanto ao chicoteamento, salvo exageros masoquistas, não há nada de mais na cena. Era isso mesmo que acontecia. O problema é o soldado. Se imagine no lugar do Soldado (já viu Roma? Imagine alguém como Vorenus): você teve que ir praquela droga de Palestina porque é páscoa e as chances de uma rebelião é grande. Cê deixou tua família em casa, o lugar é perigoso, e ao contrário de campanhas de conquista, a única coisa que vai receber por isso é o soldo normal. Você é soldado porque seu sonho era matar e espancar gente? Talvez. Mas talvez você seja soldado porque era a única coisa que você poderia fazer...
É possível que a porra do soldado incumbido do chicoteamento fosse um “psicopata” (quem pode dizer com certeza?). Mas as chances dele ser só um cara normal são muito maiores. Veja muitas das pessoas que ajudaram direta e indiretamente Hitler em sua política de extermínio aos judeus e você contastará que a imensa maioria deles eram pessoas comuns. É o que a teórica política Hannah Arendt postulou na sua tese sobre a “banalidade do mal”: pessoas comuns são capazes de coisas terríveis, desde que sejam “padrões sociais”. E quer saber? Eu acho muito mais assustador uma pessoa que pratica algo ruim por comodidade do que uma que pratica por prazer (este pelo menos tem a desculpa de ser um “doente”). Se o soldado se comportasse como um cara normal fazendo um trabalho terrivel, pelo menos a cena serviria como reflexão sobre nossa passividade em relação a coisas cruéis. Mas do jeito que foi mostrado, só serviu ao maniqueísmo típico de hollywood (e das religiões em geral).
Por que diabos o capeta (sim, péssimo trocadilho :-P) iria se divertir com a morte de Jesus sendo que isso seria um tremendo prejuízo pra ele?? Se a morte de Jesus significa uma nova aliança onde nosso pecado original foi lavado, isso não deveria ser motivo de preocupação pro capeta? Quando Cristo “vence a morte” não é a mesma coisa que dizer para Satã “Chupa Mané”? Não na cabecinha de Mel Gibson...
Vamos a alguns fatos históricos: a crucificação era a pena romana para rebeldia política e Jesus ia ser crucificado como possível rebelde. Barrábas também ia ser crucificado, logo era algum tipo de rebelde (provavelmente um Zelota ou Siccari).
Assim sendo, Barrabás dificilmente pareceria o “vilão de desenho animado” que o filme mostrou. Ele seria mais parecido com algum tipo de líder carismático, e não com um Bebum. Ele dificilmente daria risadinhas ao ser escolhido pelo povo, mas sim manteria uma postura de “um dia mato esses romanos”.
E por que o povo escolheu Barrabás? O Messias que os Judeus esperavam era um messias guerreiro (assim como Davi fora outrora), alguém que libertasse seu povo do jugo romano (e não alguém que trouxesse uma “nova aliança”). Quando chega a Jerusalém, Jesus dá claros indícios que seria o “estilo Davi” de messias: ataca os mercadores do templo e avisa que vai destruí-lo (tal ato é extremamente forte simbolicamente, já que os Fariseus exploravam a população juntamente com Roma).O povão “delira” com a possibilidade de alguém finalmente chutar o rabo dos invasores romanos e da corja que os apóia. Por sua vez, Jesus em seguida faz......... nada
O povo tava “no maior gás” imaginando que Cristo ia “quebrar o pau”, imagina quando eles vêem seu possível messias porradeiro entregue aos romanos (e sem resistência)?? Que tipo de messias é esse que aceita ser humilhado e não resiste?? Cadê a porrada?? Vendo que Jesus não era o tipo de messias que esperavam, o povão preferiu o bom e velho Barrabás (que pelo menos matou uns romanos, ora pois!).
Novamente, Gibson perdeu uma bela chance de refletir sobre a tendência humana para a violência. A mudança que Jesus propunha era moral (e não de estado). Não era uma questão de subjugar Roma, mas de criar uma sociedade mais tolerante (“dê a outra face”). Se mostrasse Barrabás como realmente era (alguém que usa da violência na tentativa de criar um mundo mais justo), Gibson teria uma ótima metáfora sobre a tendência humana a resolver tudo pela força. Seria mais ou menos como dizer “as pessoas sempre preferem o caminho da violência ao da tolerância”...
Mas nããããoooo... Gibson preferiu criar uma cena clichê onde os “judeus” parecem se divertir ao libertarem um porra-louca no lugar de um pacifista. Parabéns Gibson!! De certa forma você criou uma ótima metáfora sobre maniqueísmo e ódio gratuito (seu filme como um todo)...
Você já notou como nos filmes todo vilão geralmente morre? Eles não são presos nem nada, apenas morrem (porque o “mocinho” os mata ou porque eles tropeçam em algo :-P). essa cena descrita acima mostra com perfeição esse tipo de clichê: nos evangelhos, a cena se resume a um “salteador” que duvida do “messias” e outro que o aceita. Só. Nada mais. Nothing more. Necas.
Então por que Gibson resolveu colocar a porra de um corvo ali? Primeiro o velho clichê cinematográfico que de que o “mal” sempre tem que se ferrar (apesar do cara já estar bem ferrado). Segundo, porque Gibson é um retardado que acha que Jesus concordaria com punir um “ímpio” a beira da morte. De amargar...
Sinta o amor de Jesus no coração – ou morra :-P
Como todos sabem, Agnaldo adora “pagar de crente”. Ao ser questionado no “Nada Além da Verdade” sobre sua opinião sobre a pena de morte, ele respondeu que era a favor. Nada contra. Eu também sou a favor em muitos casos. O problema é que o fulano se alega “cristão”...
Para piorar o fato, Silvio Santos perguntou a uma das pessoas que o acompanhava (acho que era irmão dele, sei lá...) o que achava da resposta de Agnaldo... e o cara, como bom “cristão” (¬¬) respondeu: concordo. Jesus disse “ame o próximo como a ti mesmo”, mas também disse que “quem com ferro fere, com ferro será ferido”. (NOTA: ele poderia ter citado uma das “trocentas” argumentações pró-violência do Antigo Testamento. Mas preferiu colocar Jesus no meio do rolo...)
A coisa fica ainda pior se levarmos em conta o contexto da frase que o trouxa usou na sua justificativa. O momento
Se a frase de Jesus aponta a conseqüência das pessoas que vivem “pela espada”, a versão corrompida justifica esse tipo de vida: pode-se e deve-se matar pessoas “que merecem”. Se esse cara tivesse vivo na época de Jesus, provavelmente seria mais um na multidão a gritar “Barrabás, Barrabás!!”.
Repórter Record: Recorde de idiotice (sim, isso é um trocadilho infame)
Não se contentando em exibir (pela bilionésima vez) filmes bíblicos da década de 1970, nessa páscoa a Record resolveu por ela mesma a mão na massa. E o resultado foi uma titica...
O tema da reportagem foi basicamente o seguinte: nos vamos até o monte Ararat, o lugar onde a arca de noé desceu após o dilúvio!! Será que descobriremos destroços da Arca??
Mas onde estão os fatores que tornam tal fato ridículo? Se fossemos levar pelo caráter mais secular, o assunto tratado já seria ridículo. A maioria dos Judeus e teólogos cristãos moderados consideram o fenômeno descrito na Bíblia (a inundação do mundo todo) apenas simbólico, ou quando muito, a interpretação limitada do povo que escreveu a historia sobre um fenômeno local (ou seja, houve um dilúvio, mas não “universal”).
Mas a reportagem também ousa ir por caminhos (ainda) mais ridículos... notou como eles afirmam com convicção que o referido monte é com certeza o monte onde a arca desceu? Pois bem, isso nunca foi certeza para ninguém. Não existe referencia ao nome do monte na Bíblia, apenas a região (Ararate, na Armênia). A possibilidade de ter sido o Monte Ararat em especifico é apenas especulação (cujos argumentos têm pouca consistência cientifica).
Num dos momentos mais “sublimes” da reportagem, o repórter que escalou o monte reclama do frio extremo (o topo é congelado) e diz: “como será que Noé e sua família conseguiram enfrentar essas adversidades?”. Se eu estivesse lá, diria a meu colega “sofista” isso: “muito provavelmente porque (caso tenha havido mesmo um dilúvio) não foi nessa porcaria de monte íngreme e inóspito que Noé desceu ¬¬”. O pior mesmo dessa reportagem não foi o foco bíblico (dá pra se falar sim de assuntos biblicos sem cair no ridículo), mas a tentativa podre de fazer os telespectadores deliberadamente de idiotas. O motivo que aparentemente levou a produção de tal programa não foi a fé no eventos tratados, mas os pontos no Ibope garantidos por gente simples – alias, enganar gente simples parece ser é um dos talentos mais desenvolvidos de Edir Macedo O_o.
"Ciência Cristã"
A crucificação é um mistério para historiadores modernos. Faltam documentos descritivos, ossadas das vitimas, e desenhos que a representassem (os desenhos que ornamentam igrejas são de uma época onde tal pena capital já estava extinta). Apesar disso, alguns pesquisadores sérios tentam desvendar os detalhes obscuros de como realmente seria uma crucificação no séc. I. Um dos poucos consensos nessa área, é que se realmente fora pregado na cruz (a maioria dos condenados era amarrado), o local onde iria tal prego seria o pulso (já que os tendões e músculos das mãos romperiam com o peso do corpo). Porém...
Bem, o erro é que a velhinha cometeu um equivoco histórico terrível (e bem comum): a de que o soldado tava sendo sacana com Jesus!! Na verdade, o soldado deu exatamente o que Jesus pediu, já que os romanos misturavam vinagre à água para dar a suas tropas (por motivos de higiene – vinagre é um dos mais antigos e eficientes desinfetantes). Por esse ponto, o coitado do soldado tava até sendo legal... e sem querer querendo, a pobre beata disse que pecar e negligenciar Jesus é algo positivo :-P.
Na introdução o autor (Augusto Cury) se apresenta como um “psicólogo agnóstico” e diz que seu livro é “laico” (¬¬). Eu fui lendo maximo que pude, até que cheguei num trecho memorável de tão ruim: a intenção do livro era provar a imensa capacidade de Jesus como líder e companheiro. Para isso, ele menciona o trecho do evangelho de João
Mas esse primeiro erro é até passível de “relativização”, já que pressupõe uma interpretação teológica equivocada (coisa muito comum)... o segundo erro que é grotesco, já que mostra que Cury nem sabe interpretar texto!!
O segundo erro é pressupor que o olhar que Jesus possivelmente deu para Pedro era de conforto. Se vocês voltarem um pouco atrás na bíblia, vai ver que quando Pedro tenta “dar uma de gostoso” pra cima de cristo dizendo que “nunca o abandonaria”, Jesus lhe dá uma tremenda “tirada” dizendo: “antes do galo cantar, você me negará três vezes”.
“Os animaizinhos, subiram de dois em dois!!”
2- Eu fui ácido ao me referir a católicos e evangélicos, mas tais expressões não tem o intuito de servir como preconceito religioso. Foram usadas apenas em nome do humor. Se ainda assim você se sentiu ofendido, lembre-se que o bom cristão sempre perdoa os inimigos :-P.
3- Se quiserem saber um pouco mais sobre o Jesus histórico, acessem o site da super e vejam as matérias que já saiu sobre isso. Para um entendimento mais profundo, adquira um livro sobre o tema (mas ler a Bíblia já seria um ótimo começo)
4- Sobre o fato dos romanos terem sorteado a túnica de Jesus entre eles, isso não é nada cruel ou anormal (no ponto de vista da época): estavam apenas exercendo o direito de pegar espólios.
5- As citações aos filmes, reportagens, a bíblia e ao livro de Cury são “citações livres”: reproduzem o ponto de vista do autor, e não suas palavras exatas.
7- Meu lado maldoso gostaria de ver um “Criaturas Bíblicas” envolvendo um bode (ou um pombo) em “levítico” :-P