quarta-feira, 31 de agosto de 2011

O Sorriso


O homem abria os olhos lentamente em seu leito de hospital quando foi surpreendido pela aparição de uma figura peculiar: uma velha cadavérica, com o corpo repleto de inúmeras feridas e escoriações. Reparando melhor, se percebia que o rosto quase não tinha pele, e os poucos músculos pareciam podres. Ironicamente, mesmo com tal fisionomia, ela exibia um grotesco sorriso. Em meio a todo o asco envolvendo tal presença, o homem tentou gritar, mas percebeu que não saia som de sua boca. Rompendo o silencio, a velha se aproximou e começou a falar com a voz rouca e monótona das pessoas idosas:

“Não se sinta surpreso ao me ver, filho... as pessoas geralmente ficam surpresas comigo, mas não devia ser seu caso! Você sempre esperou por mim filho, sempre!! Desde muito cedo você percebeu que a Morte existia, e fez o possível para zombar disso. Você sempre foi um garoto muito levado, muuiito levado. Eu lembro de todas as loucuras que você fazia para desdenhar de mim: lembro do modo imprudente como dirigia, da quantidade absurda de álcool que você ingeria, dos exageros  da sua vida sexual... Ah, e eu lembro do maldito cigarro. O que eu mais odeio é o maldito cigarro... Sempre achei ele o símbolo máximo do seu desprezo por mim. Cada vez que você acendia um, reafirmava: ‘eu não tenho medo da Morte, estou esperando por ela’. E, sabe, você não estava totalmente errado... Eu sou uma presença inevitável, não importa o que a pessoa faça... Mas você ria da minha cara... Ria da minha cara porque sabia que um dia eu também riria da sua! Passou sua juventude toda rindo para mim... Não é irônico o modo como seu maldito cigarro nos levou até aqui?? Você achou que veria meu sorriso apenas uma vez... achou, que (como com a maioria das pessoas), eu viria uma vez só te pegar. Mas você se enganou garoto...Eu posso te levar pedaço à pedaço, e até eu te levar inteiro, você vai ver meu sorriso muitas e muitas vezes...”

E,  enquanto a velha ria assustadoramente, ele sentiu sua cabeça rodar e apagou.

Sem noção alguma de quanto tempo havia passado, o homem acordou assustado. Suando  frio, ele  grunhiu algumas “quase-palavras” de ajuda que pôde articular. Uma enfermeira se aproximou, e enquanto ela lia o prontuário, o homem contemplou o espaço vazio onde outrora ficava sua perna esquerda. A enfermeira levantou os olhos da ficha e falou “fique tranqüilo senhor, esse mal estar é apenas efeito da anestesia, já já isso passa...Mas a amputação foi um sucesso.O senhor ainda vai viver muitos anos!”

Um comentário:

Alvaro Trigo Fernandes disse...

E meus agradecimentos aos beta-testers: Amanda, Jean e Warthog!! suas dicas e opiniãnças foram essenciais para aprimorar o conto ^^